15 de jan. de 2019

CANÇÃO DAS JOVENS RENDEIRAS



Das jovens mãos das rendeiras,
de seus claros equilíbrios
nasce a aurora, é o sol que verte
do ritmo estival dos bilros.
É a paz que flui como as águas
do coração d′almofada.

A aurora tece o algodão,
o algodão tece a fazenda,
mas a rendeira faz tudo:
tece o sonho e tece a renda,
tece o amor, tece a tiara
no coração d′almofada.

Do linho de fibra indócil
faz a rendeira o seu mito.
Flor de espuma e esquecimento,
maré de anseio infinito.
Tece a morte e tece o nada
no coração d′almofada.

É como se a alma estivesse
talhada no labirinto
de solidão que ela tece.
Como se um deus cristalino
vertesse a face esmagada
sobre o enigma d′almofada.

A rendeira tece a morte
nas malhas do labirinto.
Tece o véu, tece a grinalda,
tece a ilusão do destino.
Tece o silêncio e a saudade
no coração d′almofada.

A rendeira tece a vida
nos fusos das almofadas;
tece a túnica dos mortos
e a nudez das namoradas;
tece o riso e tece a lágrima
no coração d′almofada.

A rendeira tece o fado
nas almofadas redondas;
tece o luar, tece as espumas
que se agitam sobre as ondas;
tece o olhar, tece o segredo,
tece o enigma e tece o medo.

A rendeira tece a prece
nas cordas tensas dos bilros.
Tece o mistério que desce,
soleníssimo, dos cimos.
Tece as fibras do algodão
e tece o meu coração. 

Francisco Carvalho
In Dimensão das Coisas, 1967
Ceará/Br, 1927-2013

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